Sob ameaça, mais de 200 juízes recebem proteção policial no país
Dados do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam ainda que 83% dos casos de ameaça
são registrados na Justiça comum
Mais
de 200 juízes contam hoje com esquema especial de proteção da polícia, segundo
estimativa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Dados do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) revelam ainda que 83% dos casos de ameaça são
registrados na Justiça comum - os mais vulneráveis são os profissionais que
atuam na área criminal da primeira instância. Os outros 17% dos casos são
referentes a juízes que atuam em tribunais regionais Federais, do Trabalho e
Eleitorais.
Fórum do município de Buriti, no leste maranhense, sendo destruído pelo fogo |
Quando negou um pedido de cassação feito contra o prefeito de Buriti (MA),
Rafael Mesquita Brasil (PRB), o juiz Jorge Leite sabia que opositores do
governo reagiriam de forma contundente. Não imaginou que o caso tomaria
proporções tão graves para um município pacato, a 316 quilômetros de São Luís.
Era 20 de janeiro, por volta das 10h da manhã, quando a decisão judicial foi divulgada.
À tarde, o magistrado estava em seu gabinete e ouviu o barulho do lado de fora.
Não deu tempo de deixar o local: logo um homem arrebentou sua porta com um
machado e o ameaçou de morte. Labaredas de fogo já tomavam conta do fórum.
Leite
tentou manter a calma. Tinha consigo um revólver, mas preferiu não atirar.
Tentou negociar com o algoz, até que a polícia chegou e levou o homem e outros
integrantes do grupo, que também estavam com machados e facões. O fórum
funcionava de forma improvisada numa casa. O gabinete do juiz era no último
cômodo, o que dificultou a saída dele. Quase todas as salas foram incendiadas,
destruindo documentos, computadores e urnas eletrônicas. Mais de 160 processos
viraram cinzas.
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O agressor quebrou a porta com o machado e veio para cima de mim. Fiquei
enclausurado, não tinha como eu sair daquela situação. Tentei negociar, até que
os policiais conseguiram detê-lo. Foi um momento de sufoco, terror e pânico -
diz o juiz.

Em
Lauro de Freitas (BA), a 20 quilômetros de Salvador, a juíza Maria do Rosário
Calixto recebia uma ligação com ameaça de morte a cada despacho que proferia
num processo sobre uma disputa de terras. As ameaças nunca foram esclarecidas.
Maria do Rosário precisou de escolta policial entre 2011 e 2013. As ligações
com a intimidação teriam partido de um computador, e eram concomitantes com os
despachos no processo, durante um ano.
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Era sempre a mesma voz, dizendo que eu estava na mira, que sabiam da minha
filha - diz a magistrada, que continua em Lauro de Freitas.
Quando
atuou na Comarca de Matinhos (PR), a 110 quilômetros de Curitiba, o juiz
Leonardo Bechara foi comunicado sobre ameaças de morte - detectadas por
serviços de inteligência das polícias - logo após assinar ordens de prisão
contra traficantes de uma das facções criminosas mais atuantes nos presídios de
São Paulo. O juiz precisou circular armado, em carro blindado, com escolta
policial e colete à prova de balas.
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A ameaça é para que o juiz pise no freio, tome decisões com medo - diz Bechara,
que integra o Conselho Permanente de Segurança de Magistrados do Tribunal de
Justiça do Paraná.
Em
Bom Jesus (PI), a 600 quilômetros de Teresina, o juiz da Vara Agrária Heliomar
Rios recebeu um telefonema do serviço de inteligência da Polícia do Espírito
Santo com um alerta: uma quadrilha especializada em grilagem de terras tinha um
plano para matá-lo. Rios passou a andar com escolta da Polícia Militar e carro
blindado, cedidos pelo Tribunal de Justiça. Ele nega ter recebido ameaça
direta.
A
atuação do juiz que gerou uma reação de violência no interior do Maranhão foi
na esfera eleitoral. Primeiro, ele negou o pedido de cassação contra o atual
prefeito e seu vice, acusados de compra de votos em 2012 e improbidade
administrativa, por falta de prestação de contas da gestão. Depois, o juiz
bloqueou todos os bens de um ex-prefeito, que é pai da mulher do atual
prefeito.
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Minha decisão foi bem fundamentada. As provas dos autos não levavam à cassação.
Mas, infelizmente, cidade do interior é bem dividida, tem sempre alguém
descontente porque seu grupo não ingressou na administração - diz Leite.
O
juiz diz que evitou usar a arma de fogo por temer que se tratasse de uma
manifestação. No entanto, as investigações da PF descartam essa possibilidade.
Por meio das câmeras de segurança, oito pessoas foram identificadas. Cinco
estão presas e três, foragidas. Segundo o próprio juiz, um ex-prefeito e o
ex-presidente da Câmara Municipal, ambos da oposição, teriam planejado o
atentado. Foi designada a escolta de apenas um PM ao juiz, que não considera a
medida suficiente para evitar imprevistos. Há indícios suficientes da
participação de políticos graúdos, inclusive de projeção nacional.
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Está se clareando que é uma quadrilha liderada por esses políticos. A gente tem
provas de que o ex-prefeito entrou no fórum cinco minutos antes.
Uma
resolução do CNJ de junho de 2013 instituiu o Sistema Nacional de Segurança do
Poder Judiciário, que prevê, por exemplo, a remoção de um juiz em caso de
ameaça e a adoção de medidas simples de segurança nos tribunais. Somente em
fevereiro de 2014 uma portaria instituiu um comitê gestor.
O
GLOBO pediu ao órgão dados sistematizados sobre os registros das ameaças a
juízes, por tipo de tribunal e por ano. O CNJ não forneceu os dados. O órgão informou
que aciona o Ministério da Justiça para providenciar escolta da PF ao
magistrado e à família, por período indeterminado. "O CNJ acompanha todo o
processo até ser informado de que o magistrado está em segurança",
informou.
No
ano passado, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
Ricardo Lewandowski, concluiu proposta de Estatuto da Magistratura garantindo
ao juiz "dispor de vigilância especial, a ser prestada pelos órgãos de
Segurança Pública federal e estadual, para a preservação de sua integridade
física, de sua família e de seus bens". Se o juiz considerar que passa por
situação de emergência, poderá pedir a proteção à polícia. O texto precisa
passar pelo crivo dos demais ministros do STF antes de ser enviado ao Congresso.
(Por Carolina Brígido/Vinicius Sassine)
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